Na postagem anterior, você leu aqui na SGTBR a história de um esporte-protótipo pouco famoso, mas que antecedeu o badalado Nissan GT-R LM NISMO e faz parte da história da marca como o último protótipo de conceito habitual (a tração traseira e motor central): o Nissan R391. Ele não teve a mesma fama que o carro antecessor, tampouco repetiu (ou melhorou) o feito do mesmo. De uma maneira muito similar, mas bem melhor que a condição do Nissan, a Toyota construiu no início dos anos 90 o protagonista deste post.
Claro. Ele não tem a mesma fama que o Toyota GT-One, porque este figurou em um videogame global, o Gran Turismo. Mas acabou conquistando resultados mais interessantes que o TS020, uma vez que este não chegou a vencer nenhuma corrida em classificação geral (apenas venceu em sua classe). Quanto ao protagonista, estou falando do insano Toyota TS010. Um dos últimos protótipos da Toyota para o já enxuto Grupo C, que estava passando por uma crise regulamentar nos anos 90.
E não é justo falar do Toyota TS010 sem falar um pouco dessa crise. Ela começou em 1991, quando a FIA introduziu um novo tipo de motor para os carros do Grupo C, dado o sucesso que eles vinham tendo desde o fim da década de 80. A mudança foi para favorecer os custos acerca da Formula 1, que estava com um regulamento similar para seus motores, com cilindrada de 3.5 litros e naturalmente aspirado. Diante dessa regra, o Mundial de Endurance (World Sportscar Championship, chamado assim na época) de 1991 foi uma catástrofe, mesmo que algumas equipes oficiais tenham construído carros dentro do regulamento naquele ano, como a Mercedes-Benz (C291), a Jaguar (XJR-14) e a Peugeot, com o novíssimo 905 (o alvo principal do TS010). De qualquer forma, dado o baixíssimo numero de equipes (em especial as privadas), a gestão do Mundial permitiu a entrada de alguns carros do regulamento passado. E isso atingiu também as 24 Horas de Le Mans.
De forma muito incomum, algo que não é habitual nem em corridinhas de Fusca, a ACO (Automobile Club de l'Ouest, organizador das LM24) e a FIA prevaleceram o grid daquela edição de 1991 das 24 horas com carros do novo regulamento '3.5' largando entre as 10 primeiras posições, com o resto sendo composto por modelos "antigos", entre equipes oficiais e privadas. Incrivelmente, ninguém tinha carros do novo regulamento (bem, a Mercedes e a Jaguar tinham, mas preferiram correr com seus modelos antigos, uma vez que foram permitidos correr com eles) e somente a Peugeot arriscou com seus novíssimos 905. O protótipo francês foi classificado em terceiro e oitavo, praticamente, mas com a condição dada pela FIA, eles largaram na primeira e na segunda posição.
E como vocês sabem, o resumo dessa história toda resultou na vitória do Mazda 787B, que virou uma lenda perante aos outros, por ser o único carro japonês e sem pistões que venceu as Le Mans.
Mas vamos lembrar que, a Jaguar levou o título daquele ano e, no resto da temporada, a Peugeot acabou trinfando em quatro corridas. Para 1992, o Peugeot 905 teve uma evolução definitiva para as pistas do Mundial e, claro, uma versão especial pra vencer as 24 Horas de Le Mans. Algumas equipes participantes da temporada anterior, em protesto ao novo regulamento, decidiram engavetar seus projetos no endurance e engatilharam outros rumos. A Mercedes, por exemplo, foi "observar" o projeto da Sauber na F1. A Jaguar foi aventurar no IMSA GTP com seus Jaguar XJR-14, onde tinham um regulamento mais liberal e competitivo que o do Mundial. A Jag (na verdade, a TWR) até "vendeu" cinco de seus chassis pra Mazda continuar no ano seguinte, pra vocês terem uma ideia de como a coisa não estava bem. Os chassis vendido à Mazda foram rebatizados de 'Mazda MXR-01' e dois deles contaram com a decoração "abelha", aquela do vencedor de 1991.
A Toyota não foi vista nem com equipe privada na temporada completa de 1991 do WSC, porque eles estavam desenvolvendo um novíssimo protótipo dentro daquele regulamento, pronto pra debutar ainda naquele ano, mas pra fazer bonito em definitivo na temporada de 1992. A Toyota já tinha seus protótipos da série 'C-V', que eram movidos de 4-em-linha até os V8 biturbo. Mas diante do novo regulamento, 100 por cento oficializado em 1992, construíram um protótipo de aspiração natural, V10, 3.5 litros, cinco válvulas por cilindro (ao estilo dos motores da F1 na época, até o ronco era parecido!) e potência restrita em torno dos 600cv – como boa parte dos motores dessa época, eram compostos por restritores de ar para gerar menos potência e mais confiabilidade, uma vez que se tratavam de carros de endurance. O Toyota TS010 tinha, na verdade, mais de 700cv a disposição. Ainda tinha o doce câmbio manual, com seis velocidades, e suspensão independente nos dois eixos.
A Toyota não estava pra brincadeira...
A mecânica não foi a única prioritária. A carroceria passou por um design arrojado, todo em fibra de carbono, com aerodinâmica "sutil ao vento", capaz de deixá-la sob o famoso efeito-solo, proibido na F1 durante os anos 80 por motivos de segurança, mas ainda permitido nos protótipos de endurance. E uma das coisas que eu acho mais bonitas nele, são as rodas traseiras tapadas – que pra mim foram os maiores charmes da história do design dos Grupo C. O designer do projeto foi Tony Southgate, o cara que desenhou os Jaguar's da TWR e que venceram Le Mans em 1988 e 1990. Foi o primeiro projeto da Toyota com mão de projetista não-japonês (a DOME era 100 por cento responsável pelos protótipos da série C-V). O peso? 750kg, 100 a menos que os antigos Grupo C. Era esse o peso mínimo para os novos carros da '3.5'.
Para intimidar o rival francês, foram construídos seis chassis do TS010 – sendo mais da metade destinado a Le Mans, para testes ou para a corrida. E claro: foram usados também no Mundial. A caráter oficial, a TOM'S aliou-se a Toyota no novo projeto e passou a representar o time por onde corresse, dando continuidade ao famoso Toyota Team TOM'S, ou "TTT". O TS010 teve uma vitória já na primeira corrida daquele ano, mas favorecida por desfalque de... todos os carros! Basicamente todos eles quebraram, com dois não se classificando e a corrida sobrando pro novo Toyota. Até o Peugeot quebrou. Querendo ou não, era uma vitória em cima dos rivais.
Mas, no resto da temporada, só deu Peugeot 905. Quero destacar o desempenho em Le Mans: a corrida vinha comprometida pela adoção do novo regulamento. Em uma corrida do Mundial, no início da temporada de '92, eram 10 ou 12 carros – uma desgraça de grid. Nas 24 horas, foram 30 inscritos, mas dois não largaram e mais da metade quebrou no caminho. Aquela corrida foi tomada pela chuva do início ao fim. E por mais que o TS010 tenha perseguido os Peugeot em boas oportunidades, não foi o suficiente pra vencê-lo e o melhor dos Toyota TOM'S terminou em segundo – mas há seis voltas atrás do primeiro colocado, o Peugeot 905 Evo Bis #1, que posteriormente vinha ser campeão nesta última temporada do Mundial. Ao menos a volta mais rápida ficou com o TS010 #8: 3'32.295.
Faltavam mais três etapas para o WSC acabar naquele ano pra sempre, porque nessas três últimas, o grid não passou de 10 carros. E em todas elas, o TS010 não superou o épico 905. Por estar no páreo e dentro do novo regulamento, junto ao Peugeot, o Toyota TS010 é digno de receber título de um protótipo derrotado. Ao menos, ainda naquele ano, ele venceria mais duas corridas: os 1000km de Fuji e os 500km de Mine, válidos pro All Japan Sports-Prototype Championship (JSPC) e por mérito abocanhará o título daquele ano.
O projeto japonês foi mantido para 1993, ano já desmembrado do Mundial, o WSC, que foi morto pela FIA depois do desfecho de 1992. Restava colocar o carro apenas em Le Mans, já que o JSPC também acabou naquela época e não havia outro lugar que o abrigasse.
Toyota TS010 #33 em ação nas 24 Horas de Le Mans de 1992 |
Toyota TS010 #8, o protótipo com a volta mais rápida de 1992 |
A versão que venceu por mérito os 500km de Monza de 1992, em ação no Goodwood Festival of Speed |
Foram construídos mais três novos chassis, totalizando nove TS010 existentes. O #007, o #008 e o #009 foram inscritos nas 24 Horas de Le Mans de 1993 novamente para brigar contra os Peugeot 905, que vinham da mesma situação, uma vez que o campeonato deles foi extinto a partir desta temporada. O chassi #003, usado como um dos carros oficiais em 1992, foi test car da equipe no Journée Test. Poucas atualizações em relação ao ano anterior a não ser um pacote aerodinâmico e um motor mais refinado, e a perda da carenagem traseira que tapava as rodas daquele eixo.
Só tinha Le Mans pra correr...
Versão rara dele, que correu nos 500km de Mine |
E após as 24 Horas de Le Mans de 1993 e consequentemente o fim do Grupo C, o programa da marca com o belo protótipo foi encerrado. Terminou a carreira com um total de dez corridas participadas, três vitórias e 65% de aproveitamento nas ocasiões que participou. Não cumpriu o papel principal: de ser melhor que o Peugeot 905. Mas foi o projeto ressaído da Toyota para o novo regulamento apresentado no fim da vida daquela categoria. Ele foi sucedido pelo já citado e famoso Toyota TS020, o GT-One, que quase venceu Le Mans em 1999. Depois, vocês sabem, a Toyota arriscou na F1, e de lá não saiu até 2009 pra, depois de algum tempo, repensar em entrar no endurance mundial no fim de 2011.
Esse é o projeto "Toyota Sport – The First"... É o insano Toyota TS010, pai do GT-One TS020, avô do TS030 e (bisavô?) do campeão do Mundial de 2014, o TS040.
TS010, TS030 e GT-One TS020 side by side |
Esse aqui são das duas corridas que ele participou no Japão. Vale a pena conferir o raro registro:
Nenhum comentário:
Postar um comentário